Historeando: Incêndio no GRAN CIRCO Norte-Americano no Brasil: Mais de 500 mortos na maior tragédia circense da história

Historeando: Incêndio no GRAN CIRCO Norte-Americano no Brasil: Mais de 500 mortos na maior tragédia circense da história

Em 17 de dezembro de 1961, mais de 500 pessoas morreram na maior tragédia do Brasil.

O domingo parecia mergulhado no clima alegre que se instalara em Niterói com a chegada, dias antes, do que prometia ser o maior e mais completo circo da América Latina. No dia 17 de dezembro de 1961, sob a lona verde e laranja do Gran Circo Norte-Americano, a plateia esperava ansiosa pelo número que encerrava o espetáculo do dia. A trapezista Nena, apelidada de Antonietta Stevanovich, terminava o seu salto tríplice e esperava os costumeiros aplausos, quando um incêndio criminoso lambeu, às 15h45, a lona parafinada que cobria o picadeiro. Nena e os outros dois parceiros trapezistas escaparam ilesos. As outras 2.500 pessoas, não. Foi assim que, começou o que se considera “a maior tragédia circense da história”, como noticiaram os jornais da época. O incêndio do Gran Circo deixou um sentimento de aversão aos espetáculos itinerantes em Niterói, e promoveu uma enorme comoção no Brasil inteiro. Fez surgir o profeta Gentileza, e também se tornou um marco na carreira do cirurgião Ivo Pitanguy. Foi neste episódio que João Goulart, presidente à época, chorou na frente dos fotógrafos, ao conversar com uma das vítimas.

Os números divulgados pela imprensa eram desencontrados, mas a tragédia terminou com um saldo oficial de 503 mortos, a maioria, crianças. Há famílias que contam nunca ter encontrado seus parentes. Hoje, a história detalhada do incêndio do Gran Circo é narrada nas páginas do recém lançado O espetáculo mais triste da história, livro do jornalista Mauro Ventura, pela editora Companhia das Letras. Conta o autor que, em suas pesquisas para estruturar a obra, o que mais lhe chamou atenção foi o fato de quase ninguém acreditar na versão oficial da polícia, de que Dilson Marcelino Alves, 20 anos, o Dequinha, ateou fogo no local com a ajuda de outros dois homens, Bigode e Pardal.

Dequinha estava entre os funcionários contratados provisoriamente pelo dono do circo, Danilo Stevanovich, para ajudar na montagem do picadeiro. Por ser “preguiçoso”, o jovem foi demitido três dias antes do incêndio, mas sem antes prometer vingança. Dequinha logo se tornou o principal suspeito do crime, pelo qual confessou ser o autor, dias depois da tragédia. Mesmo assim, conta Mauro Ventura que, ao abordar os personagens que viveram o drama, muitos preferem acreditar na versão de que um curto-circuito pôs fim ao espetáculo.

Apesar da comoção, Niterói preferiu varrer da sua história a memória da tragédia que feriu quase um país inteiro. Os espetáculos circenses só voltariam ao município em 1975, com a chegada do circo Hagenback, que inaugurou com lona importada à prova de fogo, saídas de emergência, extintores de incêndio e bombeiros de plantão. Anos depois, no local onde se deu a tragédia de 61, o Exército decidiu erguer o hospital Policlínica Militar de Niterói – que neste sábado inaugura, às 11h, um memorial para as vítimas no local. Durante escavações para reforçar a estrutura do terreno, já na década de 80, funcionários encontraram ossadas humanas, resquícios do incêndio durante o espetáculo que, em menos de dez minutos, terminou em cinzas.

O Gran Circo Norte-Americano, de americano mesmo, tinha só o nome e um artista, o palhaço Walter Alex. O proprietário, Danilo Stevanovich, era gaúcho de Cacequi, membro de uma família de sete irmãos que dominavam uma rede de circos na América Latina. Afora uma portuguesa, um japonês, um chinês e um casal francês, os demais artistas eram todos brasileiros do Rio Grande do Sul.

Hospital Antônio Pedro

Por ironia do destino, os médicos do Rio de Janeiro estavam em greve. O maior hospital de Niterói estava fechado. No desespero, a população arrombou a porta. Médicos foram convocados pelo rádio. Clínicas privadas também passaram a atender os feridos. Cidades vizinhas também convocaram seus médicos para ajudar no socorro. Cinemas e teatros da região interromperam suas sessões para ver se não tinham médicos na plateia para ajudar.

O Cemitério São Miguel que fica em (SÃO GONÇALO) teria sido construído as pressas para enterrar as vítimas do Gran Circo

Eram tantos mortos que as agencias funerárias não tinham caixões suficientes para todas as vítimas, tanto que o estádio Caio Martins foi improvisado como uma oficina para a construção de novos caixões. O cemitério de Niterói também não tinha espaço. Um pedaço de terra em São Gonçalo hoje cemitério (SÃO MIGUEL) foi usado para enterrar o restante dos corpos.

A elefanta salvou

Uma elefante fêmea que estava no picadeiro se tornou, anos depois, uma das heroínas do incêndio. Pronta para entrar em cena, Semba disparou em uma corrida desesperada quando um pedaço de lona queimada lhe caiu sobre o couro. Ao atravessar a lona, o animal abriu caminho e acabou salvando inúmeras pessoas – mas também fez vítimas em seu trajeto. Nos jornais da época, o feito de Semba ganhou destaque: “Com a tromba, atirou a distância dois assistentes, que conseguiram salvar-se. As feras escaparam, embora nenhuma delas tenha conseguido abandonar as jaulas. Só alguns elefantes saíram a correr, sendo imediatamente dominados pelos domadores”, escreveu o JB.

Ivo Pitanguy

Quando houve o incêndio, o cirurgião plástico Ivo Pitanguy trabalhava como professor na PUC, e ainda não tinha inaugurado a famosa clínica na rua Dona Mariana, em Botafogo. No dia, conta ao JB, ele seguia para a Santa Casa da Misericórdia quando ouviu, pela rádio, o anúncio de que o circo pegava fogo. Pitanguy seguiu para o Iate Clube do Rio e, a bordo da sua lancha particular, atravessou a Baía de Guanabara para se juntar ao mutirão que procurava ajudar as vítimas.

“Cheguei com uma equipe em pleno momento de comoção. Havia muita gente querendo ajudar, mas também uma enorme desorganização”, lembra o médico. “Lembro de um caso muito heróico de um menino que tinha se salvado e voltou para debaixo da lona para buscar o seu amigo. O que era mais dramático é que eram muitas crianças, e ao lado delas, seus amigos, de modo que devia haver ali pelo menos 500 delas”.

Os que ficaram

Muitos personagens, além do menino Pablo, sobreviveram ao incêndio, outros foram salvos por qualquer acaso que os impediu de conferir o espetáculo. O dono do circo, Danilo Stevanovich, por exemplo, não abandonou o negócio e continuou no ramo circense até sua morte, em 2001, conforme conta Mauro Ventura. Hoje, a família ainda está à frente de três lonas: Le Cirque, Bolshoi e Karton.

Mas nem todos tiveram a sorte de se refazer como os Stevanovich. Maria José do Nascimento Vasconcelos, a Zezé, viveu durante anos com circofobia e constantes desmaios, diagnosticados por médicos como uma epilepsia adquirida. Salva pela elefanta Semba, Zezé adquiriu mesmo foi o gosto pelos paquidermes e coleciona em casa miniaturas dos animais. Há também os personagens que mostram a superação, caso de Lenir Ferreira de Queiroz Siqueira, que perdeu o marido e os dois filhos no incêndio, e ainda cultiva a alegria de viver.

Houve também os que se salvaram por algum acaso – ou interferência divina, para os mais supersticiosos. É o caso de Rosane Coelho, que tinha reservado o domingo para ir ao espetáculo, mas por conta de uma febre, foi para um lanche de família na casa de um tio.

“Na véspera, eu, meus pais e minha irmã tínhamos dito à nossa avó que iríamos ao circo, o que não aconteceu”, conta. “Quando soube do incêndio no dia seguinte, minha avó ligava desesperadamente para a minha casa, mas não atendíamos porque estávamos na casa do meu tio. Ela ficou desesperada”, acrescenta, lembrando das kombis que passavam com voluntários pedindo gelo nas casas para ajudar os feridos.

O profeta gentileza;

O incêndio do Gran Circo Norte-Americano fez surgir o profeta Gentileza, figura conhecida por suas famosas mensagens nas pilastras do Caju. Reza a lenda que o excêntrico personagem enlouqueceu ao perder a família na tragédia, mas Mauro Ventura desmente o mito em O espetáculo mais triste da Terra. José Datrino, nome verdadeiro de Gentileza, trabalhava com uma frota de caminhões.

Quando o Gran Circo foi incendiado, Datrino recebeu um “chamado divino”, segundo o qual deveria “consolar os desconsolados” que perderam tudo com a tragédia. A partir de então, Datrino virou Gentileza, o profeta. Deixou a família, pegou seu caminhão, comprou 200 litros de vinho e se dirigiu à Av. Rio Branco, em Niterói, para oferecer, de graça, um copo da bebida como consolo para quem quisesse. Gentileza também montou uma casa no local do incêndio, plantou flores e fincou uma placa: “Bem-vindo ao Paraíso do Gentileza. Entre, não fume, não diga palavras obcenas”. Viveu durante quatro anos no local consolando as pessoas que por lá passavam.

Outros trabalhos afirmaram que Gentileza preveniu muitas mortes ao oferecer palavras de consolo aos parentes e amigos que iam ao local do incêndio – onde ele estabeleceu morada – para tentar suicídio na linha do trem que passava por perto. Quando saiu do local do acidente, Gentileza peregrinou pelo país.

O choro de Jango

O presidente João Goulart visitou o Hospital Antônio Pedro, onde se encontravam as vítimas nos dias que se seguiram ao incêndio. Á época, contou o Jornal do Brasil que, em companhia do primeiro-ministro, Tancredo Neves, e do governador Celso Peçanha, “o presidente parou diante de uma menina de cor, envolta em gaze até o queixo, e lhe perguntou se tudo corria bem. A menina sorriu – e o presidente levou as mãos aos olhos, afastando-se logo. Diante de uma criança que mal respirava, exclamou, quase num sussurro: ‘Não é possível, meu Deus’”. Na época, Jango colocou – ou pelo menos afirmou que colocaria – todos os recursos da União para o Governo do Estado do Rio reforçar o trabalho de socorro às vítimas.

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