
Acredito que muitos jogos da atualidade – e seus criadores – esqueceram o que torna um game algo que as pessoas amarão para sempre. Vivemos em um mundo onde a indústria de jogos AAA se preocupa mais com fotorrealismo e fazer o personagem deixar pegadas na areia, do que trazer uma experiência interativa de primeira, com sistemas engajantes que sugam completamente a atenção de quem joga.
Existem empresas como a Nintendo e Level 5 que não se esqueceram disso e seguem produzindo jogos que priorizam a diversão acima de tudo. Realizadores como Hideo Kojima também não deixam de colocar a experiência em primeiro lugar. Claro, muitas vezes os gráficos de ponta estão presentes nos jogos do Kojimão, mas a catarse que ele busca em cada jogo, junto com as loucuras que ele cria no gameplay, sempre vêm em primeiro lugar.
Digimon Story Time Stranger vem desse mesmo lugar comum. O novo jogo da série traz um fluxo de pensamento e criatividade que está preocupado em trazer uma experiência única e, acima de tudo, divertida como nunca antes foi. Apesar de certos solavancos, ele consegue passar o que quer, e de certa forma, o que todos nós sempre precisávamos em um RPG de caçar monstrinhos: coração e sistemas recompensantes.
A história de Time Stranger repete o que tem de melhor de outras já existentes da franquia Digimon: transformação. Não me refiro às digievoluções aqui, e sim aos diferentes caminhos pelos quais a trama se passa, e a forma como constantemente mudam de maneiras que, a princípio, não são óbvias.
O jogador controla um agente, homem ou mulher, que se encontra no que parece ser o fim do mundo, e em seguida é jogado em uma aventura que o faz viajar para o passado. A viagem no tempo não é um mero enfeite na narrativa em Time Stranger, e sim seu condutor central.
Junto de Inori Misono, outra personagem principal do jogo, e seu parceiro Digimon Aegiomon, cabe ao protagonista tentar entender o destino do mundo em meio a uma guerra entre facções de Digimons. O trio passa por diversos desafios e formam muitas amizades ao longo do caminho, cada uma delas muito bem desenvolvidas. Porém, a cada novo passo dado, uma inquietação cresce, resultando em momentos estelares.
O elenco composto tanto por humanos quanto Digimons é incrível. Cada personagem esbanja personalidade, como, por exemplo, a doce Shellmon, que tem ótimos momentos na história. Ou também os Irmãos Bearmons, que são sempre muito divertidos.
A única coisa que não funciona no jogo é o estereótipo do protagonista calado. Entendo a proposta, mas emocionalmente o nosso personagem passa por diversos acontecimentos críticos, e nessas horas a desculpa para ele ser uma folha em branco mais atrapalha do que agrega.
Normalmente, a linearidade não é muito bem quista nos dias de hoje, mas aqui ela é usada do jeito certo. Expandir de mais as possibilidades desviaria o olhar do jogador, e para tanto Time Stranger trás poucas missões paralelas, sempre bem posicionadas, e uma narrativa que, vira e mexe, planta dúvidas ao mesmo tempo que recompensa o jogador. Isso sem contar os vários momentos impactantes, que vão chocar e alegrar – dependendo da cena.
As quests secundárias servem a um claro propósito: expandir e enriquecer o mundo e seus personagens. Não posso frisar o suficiente, mas não deixe de fazer nenhuma! Seja pela progressão das habilidades do jogador ou pela história, elas são de extrema importância. Muitos personagens da missão principal vão te pedir ajuda, e são esses momentos que os conectam com o protagonista e aprodundam suas relações, tanto narrativamente quanto sentimentalmente.
Esses detalhes, em um jogo de viagem no tempo, são a melhor parte do pacote. Reencontrar personagens em diferentes momentos de suas vidas é muito interessante, mas com as quests secundárias o efeito é dobrado. Tem personagens que vão pedir mais de um favor em mais de um momento no espaço-tempo, culminando em momentos de encher o coração.
Essas missões secundárias sempre são bem rápidas e simples, e as principais não são diferentes. Nada em Time Stranger pede demais do tempo do jogador. A história tem pouquíssimas barrigas, e mesmo nos seus momentos mais lentos sempre há algo interessante acontecendo. O jogo sabe o que quer e como atingi-lo.
O combate é um simples RPG de turno, como era nos anteriores. Cada Digimon possui fraquezas e vantagens e cabe ao jogador montar um time de seis, três ativos e três no banco, para melhor aproveitar as aberturas de cada embate.
Uma das coisas que mais gosto da franquia se encontra nesse segmento. Cada Digimon possui no mínimo um ataque único, e uma pose de vitória também, e elas são belíssimas. Nunca me canso de ver as animações, e como são mais de 400 Digimons, tem muita variedade, e até mesmo os ataques genéricos são bem animados.
Fora isso, em termos de exploração o jogo é mais fraco. Não há muito o que se fazer no mapa, mas como já falei, o jogo não tem barrigas, ele sabe seus pontos fortes, e não dá muita margem para os pontos fracos.
Nunca um jogo de Digimon foi tão lindo como esse. Apesar de não rodar a 60 quadros por segundo no meu PS5 base, olhar esse belíssimo digimundo e o quão vivo ele é nunca me fez sorrir como o de Time Stranger. Vale ressaltar também a chance de podermos montar em certos Digimons, o que adiciona um charme a mais.
O chamariz de um jogo de Digimon, assim como de Pokémon, está em colecionar os monstrinhos, mas Digimon se diferencia com mais complexidade. Além do grande foco narrativo, a mecânica de Digievolução e De-Digievolução é o carro chefe dos jogos Digimon Story.
É necessário focar bem nessas mecânicas, já que as digievoluções mais fortes vem com muitos pré-requisitos para serem liberadas. Essa é a parte mais viciante de todo o jogo e a que o eleva em seu subgênero de RPG. Nada é mais satisfatório que o conseguir o seu digimon favorito, descobrir um que nunca viu antes ou ver outro que não sabia que estava no jogo.
Cada digievolução pede algo, seja um número específico em algum status ou muitas vezes um item. Apenas aumentar o nível do monstrinho não resolve nada; o jogo recompensa quem se planeja e melhor treina seus Digimons. Aliás, é nos menus do jogo e na Digi Fazenda, local para treinar os Digimons, que o jogador vai passar a maior parte do tempo fora dos combates. E também foi ali que eu encontrei os maiores problemas da experiência.
As maiores dificuldades em Time Stranger são aturar a falta de otimização de seus diferentes menus. Aqui temos a novidade de poder digievoluir a qualquer momento e lugar, sem precisar estar em um local específico do mapa, como era nos jogos anteriores.
Um novo elemento nessa mistura marca presença: as Personalidades dos digimons. Elas adicionam novas camadas na customização dos monstros, seja na evolução dos status ou na liberação de habilidades passivas. Porém, as inovações nessa parte do jogo param por aí.
Na Digi Fazenda, onde podemos focar em status específicos, treinar os Digimons vira um constante entra e sai de menus que poderia ser resolvido com um apertar de botões ao selecionar o monstrinho dentro dela. Alimentá-los, para assim aumentar o Elo, que determina o quanto de cada status é mantido entre as digievoluções, é também muito maçante. Só podemos dar um alimento de cada vez, e logo isso torna todo o processo agonizante. Como essas questões estão ligadas à digievolução, é algo que por muitas vezes passam batidas. A dopamina liberada após digievoluir seu digimon favorito é tão forte que faz parecer que tudo valeu a pena.
Essas duas questões são meus únicos problemas com a obra maravilhosa que é Digimon Time Stranger. O jogo possui uma história rica, cheia de personagens carismáticos e mistérios aterradores. Com um combate simples em sua superfície, mas extremamente complexo em suas nuances, essa iteração da franquia Digimon mostra o porque ela não pode ficar longe por tanto tempo dos RPGs.
Precisamos de jogos cheios de coração como esse, que nos fazem sorrir a cada novo personagem desbloqueado e nos emocionar a cada momento da história. Digimon é algo que transcende gerações e línguas, uma franquia que sempre fala sobre evolução pessoal e coletiva, e como nossos amigos e laços são o nosso poder. Digimon Story Time Stranger traz cada pedaço dessa mensagem e a entrega novamente com maestria.
É como diz uma certa música: “Não pense que está sozinho. Com Digimon, você não está só.”
Digimon Story Time Stranger
Digimon Story Time Stranger
Lançamento:
01.10.2025
Gênero: