
Elas já foram o símbolo de resistência na mesa brasileira. As louças de vidro Duralex âmbar, que marcaram presença em lares de todo o país da década de 1970 até início dos anos 2000, vem movimentando cifras surpreendentes na internet.
O material sempre foi famoso por aguentar quedas e variações de temperatura sem quebrar com facilidade. E agora, justo em 2025, voltaram a ser objeto de desejo, despertando até disputas entre famílias e colecionadores.
Com o fim da linha âmbar no Brasil, o que restou virou relíquia. Na internet, um kit com 38 peças é vendido por até R$ 3,5 mil, média de R$ 92 por item.
Um conjunto com pratos, travessas, xícaras e pires é oferecido por R$ 2,6 mil. Outro com 10 peças – sendo 4 travessas, 5 pratos rasos, 6 pratos fundos, 2 xícaras e 2 pires – custa R$ 1,5 mil.
Cada item sai a R$ 79. Já um conjunto menor, com apenas quatro pratos fundos, é anunciado por R$ 420, o equivalente a R$ 105 cada peça.
Kit Duralex é vendido a R$ 3.500 — Foto: Reprodução
Pratos, travessas e xícaras vendidos separadamente aparecem com preços entre R$ 40 e R$ 60. É um salto considerável se comparado aos valores de 2010, quando cada prato novo custava de R$ 3 a R$ 4.
Corrigindo pela inflação, hoje deveria sair por R$ 8 a R$ 10 se ainda fossem fabricados e não houvesse esse alvoroço todo.
O professor e consultor de comunicação e marketing digital Lucas Taidson acredita que esse fenômeno se explica por uma mistura de nostalgia, estética retrô e tendências atuais de consumo.
“Do ponto de vista de marketing, a gente está vendo um caso clássico de um produto comum sendo reposicionado como uma peça de desejo, graças à escassez e à narrativa em que esse produto se insere. E obviamente, esse assunto ganha ainda mais força nas plataformas. Os algoritmos favorecem esse tipo de conteúdo e misturam nostalgia e essa estética agradável, afetiva, que é o que as pessoas mais buscam, né? Isso gera um efeito de descoberta coletiva e faz com que as pessoas queiram viver aquela experiência, nem que seja pelo simples fato de postar pra dizer que “eu também estou nessa trend”.
O interesse não vem só de quem viveu a época em que a louça era quase onipresente. A geração Z, cada vez mais ligada a produtos antigos e ao consumo consciente, ajudou a impulsionar a valorização.
O mercado de segunda mão cresce no país e movimenta bilhões por ano, criando um ambiente perfeito para que um objeto tão simples e tão resistente, voltasse ao centro das atenções.
Cada prato Duralex sai a R$ 105. Peça não deveria custar mais de R$ 10 — Foto: Reprodução
Hoje, quem encontra um jogo âmbar esquecido no armário pode estar diante de um pequeno tesouro.
Entre quem viu essa tendência de perto está a professora universitária Luciana Barcelos.
Ela contou que herdou alguns jogos de pratos da mãe, que morreu há alguns anos, e que sempre manteve esse material guardado.
Eram peças que quase não tinham sido usadas e estavam em ótimo estado. Foi então que o filho João Vitor, de 19 anos, perguntou de poderia vender. Ela autorizou e disse que ele poderia ficar com o dinheiro.
“Ela tinha muitos pratos e tudo em bom estado, porque ela tinha alguns jogos de louça para jantar. Mas como esses Duralex eram mais, como é que eu vou dizer? Eram pratos de reservas da minha mãe, ela usava muito mais os de louça. Então, eles ficaram guardados por muito tempo, não tiveram muito uso, não tinha tanta marca. Tinha alguns copos também, mas os copos a gente acabou perdendo. E o dinheiro foi pro meu filho. Ele acabou vendendo e ficou com o dinheiro porque estava parado aqui.”
Mas ao contrário de muita gente que conseguiu faturar alto, Luciana e o filho não viram tanto retorno assim.
Depois da venda, ela acabou descobrindo que poderia ter conseguido bem mais dinheiro com o negócio.
“Aí eu estava, já depois da venda, mexendo no Instagram, no TikTok, não me lembro. E aí eu vi um vídeo de uma mulher falando que vendeu por 2 mil reais. Aí eu fiquei, falei: ‘João Vitor, quanto que você vendeu aqueles pratos da vovó?’. Aí ele disse que tinha sido por trezentos e alguma coisa, trezentos e cinquenta. Eu pensei comigo, né? Perdemos dinheiro, deixamos de ganhar. Aí eu achei tão curioso tudo isso, muito estranho, assustador, porque eram pratos que estavam aqui parados e eu não dava valor nenhum. Então, saber que um item que é tão banal, que todo mundo tinha em casa, está sendo vendido assim, tão caro.”
Concorrência chinesa derrubou vendas
Criada na França em 1945, a Duralex ganhou fama pelo vidro temperado, cerca de 2,5 vezes mais resistente que o comum, capaz de suportar de -20 ºC a 100 ºC.
Quando quebra, se fragmenta em pedaços pequenos, reduzindo riscos. O sucesso atravessou décadas, mas a concorrência com produtos chineses derrubou as vendas.
Na França, a empresa chegou a entrar em liquidação compulsória em 2008 e, mais tarde, em recuperação judicial, até ser comprada pela rival International Cookware em 2021. No Brasil, a operação ficou sob controle da Nadir Figueiredo em 2011.
A cor marrom, a mais marcante da linha, não é mais fabricada no Brasil desde 2012.
Mas a Nadir Figueiredo afirma não ter planos para retomar a produção no tom âmbar, ainda que siga acompanhando as tendências de mercado.
O especialista em marketing Fernando Miranda aponta que essa busca é também resultado da lógica da escassez, que influencia diretamente a percepção de valor.
“Eu acho que a principal lição aqui é como que nostalgia e um gatilho emocional têm força pra fazer algo voltar ou algo ser vendido. Hoje o consumo é muito mais guiado por significado e menos por utilidade. Quando a linha âmbar, né, foi descontinuada, ela passa a ser rara. E isso cria valor, gera escassez, né? É a mesma lógica dos itens colecionáveis: quanto mais escasso algo, mais valorizado ele é. É uma coisa muito mais orgânica do que planejada. Esse combinado de coisas faz com que a Duralex volte aí a ser desejada.”
No exterior, especialmente na França, a linha ainda é vendida, com pratos, xícaras e pires originais. Um conjunto de seis xícaras âmbar com pires sai por cerca de R$ 106, na conversão do euro. E seis pratos de sobremesa custam R$ 63.
Por aqui, a produção se mantém nos modelos transparentes e azuis, vendidos em lojas físicas e online. Kits de seis pratos variam de R$ 50 a R$ 109.