
O site da Associação dos Aposentados Mutualistas para Benefícios Coletivos (Ambec) continua no ar como se nada tivesse acontecido. Ao abri-lo, aparece a imagem de um casal de idosos, sorridente e acompanhado dos netos. Um banner destaca que a entidade atua para defender os interesses dos beneficiários do INSS e contribuir para a melhoria da qualidade de vida de seus associados. Desde abril passado, quando a Polícia Federal deflagrou a Operação Sem Desconto, descobriu-se que a Ambec fazia exatamente o contrário disso. Segundo as investigações, ela fraudou cadastros, falsificou documentos e se apropriou de parte das pensões de milhares de aposentados. Deputados e senadores que integram a CPMI criada para apurar o caso desconfiam que o esquema que desviou cerca de 4 bilhões de reais funcionou por anos sem ser incomodado, graças a uma rede de proteção que conta com advogados, servidores públicos e apoio político — engrenagem movida a milionárias comissões e gordas propinas. Seguir o dinheiro, portanto, é um protocolo elementar para chegar aos personagens ainda ocultos da trama.
No início de setembro, a Polícia Federal prendeu Maurício Camisotti e Antônio Carlos Camilo Antunes, o lobista conhecido como “Careca do INSS”. Os dois são apontados como artífices e beneficiários do esquema ilegal da fraude. A CPMI quebrou os sigilos bancários de todas as empresas envolvidas. Na semana passada, o colegiado recebeu informações sobre uma delas — a Rede Mais Saúde, que pertence a Camisotti e faz parte de um conglomerado familiar que recebeu depósitos milionários das entidades que roubavam as pensões dos idosos, entre elas, a Ambec. A PF suspeita que as empresas de Camisotti eram usadas para lavar o dinheiro desviado e ocultar pagamentos de comissões e propinas. O empresário também é suspeito de ser o verdadeiro dono da Ambec, que aparece em terceiro lugar no ranking das entidades que mais faturaram com os descontos. De 2019 a 2024, a associação arrecadou 178 milhões de reais. Desse total, 30 milhões foram transferidos para o caixa das empresas de Camisotti.

Depois de identificar os recebimentos, ainda seguindo o rastro do dinheiro, o próximo passo será esmiuçar os pagamentos feitos pelas empresas de Camisotti. É nesse ponto que novidades podem surgir. VEJA teve acesso a um relatório sigiloso do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) sobre a movimentação bancária da Rede Mais Saúde. Além do grande volume de recursos que passou pela conta da empresa, os técnicos do órgão alertam as autoridades para uma transação em particular, classificada por eles como “atípica”. No dia 17 de março, um mês antes da realização da operação policial que desmascarou a quadrilha do INSS, a empresa de Camisotti transferiu 7,5 milhões de reais para a SF Consulting Serviços. A SF tem um capital social pequeno, de apenas 30 000 reais, funciona em uma sala modesta de um shopping em Brasília, declara como atividade principal a intermediação e o agenciamento de serviços e negócios e tem um único sócio, José Sarney Filho, filho do ex-presidente da República José Sarney.
VEJA esteve duas vezes, em horário comercial, na sede da SF, mas não havia ninguém no escritório. Em tempos de home office, isso é comum. O condomínio informou que a sala está cadastrada como “representação” de um “projeto de geração de energia renovável”. Ex-ministro do Meio Ambiente, nos governos de Fernando Henrique e Michel Temer, Sarney Filho explicou que, por questões contratuais, não pode entrar em detalhes sobre a natureza dos negócios mantidos com a Rede Mais Saúde. “Tenha absoluta certeza que não tem nada a ver com INSS, mas não posso me alongar sobre isso porque tenho contrato de sigilo”, disse.

Camisotti, por sua vez, em nota enviada por seus advogados, também ressaltou que a relação comercial com a consultoria do filho do ex-presidente nada tem a ver com assuntos relacionados às aposentadorias. Ele foi preso no dia 12 de setembro. A Polícia Federal suspeita que o empresário usa “laranjas” para ocultar sua condição de dono de ao menos três entidades envolvidas no escândalo. Além da Ambec, ele também seria o controlador da União dos Servidores Públicos do Brasil (Unsbras) e do Centro de Estudos dos Benefícios dos Aposentados e Pensionistas (Cebap). Juntas, as três descontaram 456 milhões de reais dos aposentados apenas em 2024. Como se vê, a CPMI terá ainda muito trabalho pela frente na missão de seguir o dinheiro.
Publicado em VEJA de 3 de outubro de 2025, edição nº 2964