
Devemos ao cinema americano a nossa fascinação pelos psicopatas. “Psicose”, “O Silêncio dos Inocentes”, “Seven”, “A Morte Pede Carona”, “Psicopata Americano” -os exemplos são inesgotáveis.
“Dias Perfeitos”, a nova série do Globoplay, adapta o livro de Raphael Montes (de “Bom Dia, Verônica”) sobre um rapaz que mantém em cativeiro a moça por quem está apaixonado (ou só obcecado). Se por um lado a trama peca pela simplicidade e uns tantos furos, por outro o desempenho dos protagonistas e a estrutura dos episódios mantêm nosso interesse.
Destrinchando a história: Téo (Jaffar Bambirra), um estudante de medicina estranho e retraído, mora com a mãe cadeirante, Patrícia (Debora Bloch). Um dia, numa festa, ele conhece Clarice (Julia Dalavia), aspirante a roteirista que (pasmem) nunca leu sua xará Clarice Lispector. Enquanto ela tem namorado, transa a três e curte álcool e drogas, ele é o típico “incel”, o solteiro involuntário que (tudo indica) não tem experiência alguma com as mulheres.
Na brincadeira, para fazer ciúmes ao namorado, Clarice dá um selinho em Téo, o que desperta nele desejos reprimidos. Não demora muito para ele mostrar seu desequilíbrio mental e sequestrar a moça. A partir do sequestro, a história abusa bastante da crença do espectador.
(Atenção: spoilers leves). Em vez de ir a um lugar desconhecido, Téo decide levar Clarice para um conjunto de chalés em Teresópolis que ela frequenta há anos, e onde ela é bem conhecida do administrador, Miguel (Giovanni Venturini). Miguel demora bastante para desconfiar do fato de que Clarice nunca sai do quarto, assim como a mãe da moça, Helena (Fabiula Nascimento) demora dias para tentar algum contato com a filha.
Patrícia, a mãe de Téo, também não parece ver nada estranho no fato de o filho ir viajar do nada. Clarice perde todas as chances possíveis de pedir socorro, mesmo quando Téo resolve tirá-la do chalé para um passeio no bosque. E por aí vai.
O plot de “Dias Perfeitos” lembra muito o de “Misery: Louca Obsessão” (1987), best seller de Stephen King que virou filme em 1990 e deu o Oscar a Kathy Bates, e rendeu uma montagem recente nos palcos com Mel Lisboa. Na história de King, é uma fã enlouquecida que mantém um escritor em cativeiro. Em “Dias Perfeitos”, Téo sequestra Clarice com o pretexto de ajudá-la a escrever seu primeiro roteiro –cuja história, por sinal, mal para em pé.
Por tudo isso, os fãs do gênero policial que prezam pelo detalhismo das tramas e pela verossimilhança talvez se sintam até ofendidos. Para os menos apegados, porém, “Dias Perfeitos” oferece a boa direção de Joana Jabace, que valoriza os momentos mais tensos; e a boa ideia da roteirista Claudia Jouvin de dividir os episódios em duas partes, narrando os mesmos fatos de dois pontos de vista diferentes, o do algoz e o da vítima.
Na visão dele, os fatos estão sempre filtrados pela lente turva da paixão e da obsessão; na visão dela, temos a realidade crua da violência contra uma mulher.
Apesar dessas qualidades, “Dias Perfeitos” fica muito aquém da primeira temporada de “Bom Dia, Verônica” (Netflix), que expandiu o alcance de Raphael Montes aos que nunca leram seus livros policiais. Mas ajuda a confirmar o potencial brasileiro para séries de suspense, ainda pouco produzidas por aqui.
“Dias Perfeitos”
Série em oito episódios
Quatro primeiros disponíveis no Globoplay
Novos episódios nos dias 21 e 28/8